Se o leitor é um fã dos escalões inferiores do futebol inglês, ou se já jogou jogos de treinador de futebol, não lhe será estranho cruzar com nomes como os do Preston North End, Burnley, Huddersfield Town, Derby County, Bury, Charlton Athletic, Cardiff City ou Blackpool, mas por certo que serão poucos os que reconhecem nomes como os dos londrinos do Wanderers FC, ou o Oxford University, os Old Etonians, os Royal Engineers, os Clapham Rovers, os Old Carthusians ou o Blackburn Olympic.
O ano era 1871, o Reino Unido era governado pelo gabinete liberal de William Gladstone, Primeiro-ministro da Rainha Vitória. O Império Britânico aproximava-se do seu apogeu, cerca de 25 anos mais tarde,
Londres seria a cabeça de um Império que ocupava 1/4 da Terra, enquanto um em cada três habitantes do planeta era súbdito de Sua Majestade.
Nessa Inglaterra vitoriana, de acelerado processo industrial, o desporto tornava-se uma paixão nacional e de entre todos os desportos, o futebol dava passos largos rumo ao futuro, destacando-se dos demais. Oito anos antes, a
Football Association - Federação Inglesa - nascera em
Londres, tornando-se a pioneira da organização do desporto que os ingleses aprendiam a amar.
Equipa dos Royal Engineers que perdeu a primeira final da FA Cup por 1x0 com o Wanderers FC em 1872.
A 20 de julho, C.W. Alcock propôs à
Football Association a ideia da criação de uma taça, a que todos os clubes que estivessem inscritos na Federação fossem convidados a participar. A ideia foi prontamente aceite e em novembro do mesmo ano era dado o pontapé de saída. Nascia a
Football Association Challenge Cup, mais conhecida entre nós como Taça de Inglaterra.
Quatros jogos foram disputados na primeira eliminatória, a 11 de novembro. O primeiro golo seria da autoria de Jarvis Kenrick, numa vitória clara do Clapham Rovers sobre o Upton Park por 3x0. Quinze clubes inscreveram-se na prova, mas apenas doze chegaram a jogar, num total de treze jogos, o último dos quais a 16 de março de 1872, quando o Wanderers FC bateu o Royal Engineers, perante dois mil espetadores, no Kennington Oval, em
Londres.
Tradição e tradições
A
FA Cup é a mais velha competição do mundo. Bastava tal facto para ser reverenciada pela sua importância. Mas a
FA Cup não é um venerando artefacto guardado a sete chaves num museu. A mais velha competição do mundo é um «organismo» vivo que se renova todos os anos, e que época após época mostra nos campos de Inglaterra - e também do País de Gales - a força do futebol e o ainda genuino amor à camisola.
Em 1901 o
Tottenham Hotspur, então uma equipa amadora que não disputava os campeonatos nacionais, venceu a competição, mas desde 1945 que nenhuma equipa que não disputa os campeonatos nacionais, foi além da quinta ronda.
O
Tottenham tornava-se na primeira equipa do sul do país a conquistar o troféu, para comemorem o feito, os dirigentes resolveram enfeitaram o troféu com fitas bracas e azuis, as cores dos
spurs, e a moda pegou, pois desde essa data que o vencedor recebe o troféu, decorado com fitas das cores do clube.
Talvez a maior tradição seja a dos tomba-gigantes, que os ingleses chamam de «
giant killers» que ao longo da história foram muitos, cada um mais surpreendente que o outro.
Quase todos os clubes que atualmente jogam nas diversas ligas da Premier à Conference, podem recordar um momento na história em eliminaram um gigante, ou foram surpreendidos por um «
under dog», outra expressão muito ouvida na história da competição, que se refere aos clubes mais humildes que era suposto serem eliminados.
28 de abril de 1923, mais de 300 mil pessoas para assistirem à primeira final de sempre no Estádio de Wembley.
Outras surpresas são normalmente conseguidas pelos «
dark Horses», aqueles clubes que correndo por fora, surpreendem tudo e todos chegando longe na competição e até mesmo à vitória final, sendo os mais recentes exemplos o Milwall e o Cardiff City, finalistas vencidos, respetivamente em 2004 e 2008. Histórico e sem par até aos nossos dias é o «tri» conquistado pelo Blackburn Rovers entre 1883 e 1885.
Pompa e Circunstância
É uma competição repleta de pequenas e grandes idiossincrasias, com tradições que duram há gerações. Entre elas destaca-se o cântico «Abide With Me», que desde a final de 1927 - entre o Arsenal e o Cardiff -, é cantado em todas finais, momentos antes do pontapé inicial, por volta das 14h45 BST. (1)
Outra tradição, que há muito está estabelecida em Inglaterra, é que a final da FA Cup deve ser o último jogo da época, resultando como um corolário natural de uma longa e disputada época desportiva, porém, com os calendários das competições internacionais a ditarem as regras, mais recentemente esta tradição tem perdido «força de lei».
Winston Churchill cumprimenta a equipa do Newcastle United, momentos antes da final de 1952 em que os magpies bateriam o Arsenal por 1x0.
Os treinadores, ambos com uma flor da cor do clube à lapela, acompanham o monarca - ou a personalidade indicada pela família real que o substitui na função - pela passadeira vermelha até ao centro do terreno, onde apresentam um a um, cada jogador das suas equipas. Perfilados, escutam o «
God Save the Queen», já depois do monarca se ter despedido e o jogo pode começar....
Curiosamente, foi também em Wembley, numa final da FA Cup que duas equipas usaram pela primeira vez a numeração nas camisolas. A honra coube a Everton e Manchester City, que se encontraram na 58ª final da Taça da Inglaterra, disputada a 29 de abril de 1933.
Glória aos vencedores, honra aos vencidos
Não há outro local no mundo em que se respeite mais uma competição do que em Inglaterra. Ver o seu clube a entrar em Wembley é o sonho de todo o adepto inglês. Sonhar jogar a final da Taça, é a seguir à ideia de defender a camisola da Inglaterra numa final de um Campeonato do Mundo, a maior ambição do comum jogador inglês.
Após três finais, finalmente Stanley Matthews conquista o tão ambicionado troféu, com o Blackpool a bater o Bolton por 4x3.
A história das finais da
FA Cup está repleta de momentos geniais, reviravoltas no último minuto e jogadas de magia.
Bobby Charlton,
Stanley Matthews,
Bobby Moore,
Gary Lineker e tantos mais, ajudaram a escrever com letras douradas a epopeia da
FA Cup. Vencedores e vencidos, tratados com igual reverência pelos adeptos, em anos de tradição desportiva e de verdadeiro
fair play.
Heróis e vilões que fizeram do antigo, e do novo
Wembley, solo sagrado, terra santa do
beautiful game. Antes de
Wembley, também o Kennington Oval entre 1872 e 1892, e o Crystal Palace entre 1895 e 1914, foram palcos repetidamente eleitos para a grande final, assim como outros estádios londrinos.
Mas não só na capital se jogaram finais, com Burnden Park em Bolton, o Fallowfield e Old Trafford em Manchester, o Goodison Park em
Liverpool, o Raceground em Derby e mais recentemente o Millennium Stadium em Cardiff, no País de Gales, a reclamar igualmente a honra de receber o jogo dos jogos, no calendário futebolístico inglês.
Grandes jogos
Sunderland festeja o golo decisivo que valeu a vitória do Arsenal sobre o United em 1979
Cada adepto terá a sua final favorita e a discussão sobre a melhor final de todas ou a mais importante nunca ficará decidida. A final de 1953, ou a
final de Matthews, se preferirem, é incontornável. O mago dos «dribles» teve uma exibição de tal maneira magistral na vitória do seu Blackpool sobre o Bolton por 4x3, que eclipsou o
hattrick do colega Mortensen. A ajudar à lenda e à memória coletiva do futebol inglês, esta foi a primeira final da Taça a ser transmitida em direto pela BBC, e também a primeira a ser presenciada
in loco pela Rainha Isabel II.
O Bolton também está ligado a outro grande momento, a famosa «
Final do Cavalo Branco», não pela sua vitória de 2x0 sobre o West Ham, mas pela icónica imagem em que um polícia montado em
Billie, um cavalo branco, tenta retirar a multidão que ocupava o campo. Estima-se que estivessem mais de trezentas mil pessoas em
Wembley nessa tarde de 28 de abril de 1923, um recorde mundial que por certo nunca mais será batido...
Em 1958, ainda o Bolton, em nova vitória por 2x0 sobre o
Manchester United, naquela final em que o país ainda na ressaca do desastre aéreo de Munique que vitimara grande parte da equipa do United - os famosos
Busby babes -, torcia claramente pelos
red devils. O Bolton, contudo, foi mais forte e teve a sua vitória mais amarga. Cinco anos depois, Matt Busby liderou o Manchester à vitória sobre Leicester, homenageando assim os heróis perdidos.