Há textos mais fáceis de escrever, outros mais difíceis, mas este é invulgarmente complicado porque é escrito em cima de um facto que chocou o país desportivo (e não só) e sobre um amigo de há muitos anos que repentinamente nos deixou.
Não será, pelo menos assim o tentarei, um texto triste e doloroso porque é escrito sobre um Homem que cultivou a alegria e a boa disposição e que seguramente gostaria de ser lembrado sempre nessa perspectiva, mais que não fosse pela alegria que transmitiu a tanta gente que dela necessitava em momentos difíceis da vida.
Sobre o Neno, homem do futebol, e havendo sempre algo a dizer, é preciso considerar o facto de já estar quase tudo dito naquilo que é essencial em termos do seu percurso.
É sabido que foi fruto de uma grande escola de jogadores, o Barreirense, onde fez quase toda a sua formação e jogou como sénior durante três épocas sempre em escalões inferiores antes de se transferir para o Benfica em 1983. Mais tarde, acabou sendo emprestado ao Barreirense por mais uma época, dado que o clube de Lisboa tinha os seus quadros de guarda-redes ocupados, nomeadamente pelo histórico Manuel Bento, dono das redes encarnadas durante muitos anos.
Em 1984 volta à Luz, mas é de imediato emprestado ao Vitória, clube com o qual inicia uma longa relação profissional, embora com algumas intermitências no seu início, terminada apenas no passado dia dez de Junho com o seu desaparecimento do mundo dos vivos, mas nunca da memória dos milhões de portugueses que o conheciam e admiravam.
Faz apenas uma época no Vitória, a de 1984/1985, e acabou por regressar ao Benfica, o que o impediu de participar em dois extraordinários anos vitorianos... como foram os de 1985/1986 e especialmente o de 1986/1987, com aquela equipa de sonho que consegue o terceiro lugar e os quartos de final da taça UEFA, e onde Neno bem poderia ter dividido a baliza com outra lenda vitoriana, também prematuramente desaparecida, chamada António Jesus.
Passou essas duas épocas no banco do Benfica, jogando muito pouco, e em 1987/1988 é emprestado ao outro Vitória, o de Setúbal, onde também joga muito pouco, tapado por Meszaros, um guarda-redes de grande categoria.
É tempo de regressar a Guimarães… Mais uma vez por empréstimo, Neno fez duas excelentes épocas, afirmando-se na baliza do Vitória e no panorama futebolístico nacional, fazendo finalmente surgir o seu enorme talento de forma contínua e sem deixar margem para dúvidas.
Foi sem surpresa que finalizado esse empréstimo, e bem contra a vontade do Vitória, Neno regressou à Luz para finalmente se afirmar como titular do Benfica e ganhar títulos, Taças de Portugal, Supertaças e actuar nove vezes (tão poucas...) pela selecção nacional, tornando-se uma referência do futebol português.
Ao mesmo tempo, fora dos relvados, e muito por força da sua paixão pela música, ia construindo a imagem do “Júlio Iglésias português”, que o acompanhou durante o resto da sua vida por força do seu talento para cantar e pelos muitos espectáculos que fez no país.
Depois de cinco anos no Benfica, quatro de sucesso, mas o último já jogando pouco, Neno regressou definitivamente à “sua” cidade de Guimarães e ao “seu” Vitória para jogar mais quatro épocas. Nas duas primeiras foi titular absoluto, mas quase não jogou nas duas últimas. Na terceira, por força de uma lesão, e na quarta por já ter outras funções no clube, altura em que foi inscrito como jogador apenas para o caso de ser absolutamente necessário.
E se o Neno jogador foi grande na sua profissão, como a carreira exuberantemente demonstra, atrevo-me a dizer que o melhor Neno apareceu depois de pendurar as luvas com toda a dimensão que a sua Vida atingiu.
No Vitória, a que esteve ininterruptamente ligado desde 1995, foi muita coisa. Director desportivo, secretário técnico, treinador de guarda-redes, relações-públicas e, acima de tudo, um grande embaixador do clube de quem foi a figura mais conhecida a nível nacional e internacional na quase centenária História do Vitória.
Através dele, o clube teve acesso a palcos normalmente apenas acessíveis a figuras ligadas a outros clubes. Com ele, a imagem do Vitória esteve presente em tantos e tantos programas televisivos e eventos de vária ordem. A sua imagem confundiu-se com a do Vitória em tantas e tantas ocasiões… Mas a actividade do cidadão Neno não se restringiu apenas ao Desporto e ao Vitória.
Foi um Homem sempre motivado para a acção social, embaixador da CERCIGUI, presente nas escolas, jardins de infância, universidades, em todos os lugares onde era convidado a estar, porque o Neno não sabia dizer não a nenhuma causa, a nenhum convite para acções em que entendia poder ser útil à comunidade.
Além destes, marcou presença em inúmeros espectáculos de beneficência, do mais diverso tipo de instituições, onde estava presente, cantando e encantando, e tornando mais felizes aqueles que a eles assistiam.
Neno foi um ser humano excepcional. E isto ficou bem comprovado pelo pesar nacional em torno da sua morte e com as homenagens que, das mais diversas formas, lhe foram sempre prestadas por pessoas e instituições ligadas ao desporto, mas também por muitas outras.
A selecção nacional na Hungria, a preparar a fase final do Euro 2020, prestou-lhe uma bonita homenagem. Clubes a que ele esteve ligado, como Benfica e Barreirense, também o recordaram. Clubes em que nunca jogou, como, por exemplo, o Sporting de Braga que teve palavras de grande solidariedade para com a família e para com o Vitória, o que me apraz registar e que o Neno teria seguramente apreciado, também vieram a público manifestar o seu pesar. Além destes, também jogadores e ex-jogadores do Vitória, do Benfica, da selecção nacional e tantas outras figuras do futebol e do desporto nacional que sentiram a sua prematura partida de forma muito especial.
A Câmara Municipal de Guimarães decretou, numa louvável decisão da mais elementar justiça, dois dias de luto municipal como prova do respeito e do agradecimento da comunidade vimaranense por um Homem que, não sendo de Guimarães, fez de Guimarães a sua casa, nela se integrou de forma exemplar e à qual nunca negou o seu contributo nas inúmeras vezes em que ele foi solicitado.
Conheci pessoalmente o Neno em 1995. Foram vinte e seis anos de uma amizade inolvidável, de muitos gestos e atenções que lhe devo, de muitas horas de conversa, de muitas gargalhadas inesquecíveis (ou não fosse a tão expressiva gargalhada uma das imagens de marca dele), de uma simpatia e uma afabilidade que nunca esquecerei.
Foi, não tenho a mínima dúvida quanto a isso, uma das melhores pessoas que conheci. Um Homem que deixou uma marca profunda em todos quantos com ele conviveram, tiveram o privilégio de serem seus amigos, o prazer de desfrutarem da sua companhia.
Um ser humano excepcional e um exemplo para todos quantos gostam de desporto e de futebol em particular.
Porque neste futebol português tão complexo foi um Homem de paz em tempos de guerra, um Homem de consensos num ambiente de quezílias, um Homem que aproximou e não afastou, um Homem que preferiu a afabilidade à crispação, um Homem que privilegiou a Alegria e combateu o ódio.
Estamos todos muito mais pobres com a sua partida tão repentina e tão prematura.
Saibamos, todos, ser dignos do seu Exemplo.
Obrigado Neno!