Esta é a história de Tiago Manuel Dias Correia, um Bebé que ficou eternizado nas memórias do futebol português. Decorria o ano de 2010 quando o mundo abria a boca de espanto em relação a uma das transferências mais surpreendentes do nosso futebol. Estávamos perante um passo de gigante dado por um Bebé de 20 anos que, após uma curta passagem pelo Castelo, foi viver o seu sonho para o teatro de Manchester, onde ainda estavam bem frescos os bem sucedidos casos de Nani, Anderson e, sobretudo Cristiano Ronaldo, todos pescados no futebol português em jogadas de antecipação.
Neste caso, a excelente pré-temporada do jovem português ao serviço do Vitória de Guimarães, por quem nem se chegou a estrear oficialmente fruto desta movimentação dos red devils, já chamava a atenção de Benfica e Real Madrid, pelo que o clube inglês não hesitou em pagou nove milhões de euros para o levar. Podia ter corrido novamente bem, só que o tempo demonstrou que se tratou, de certa forma, de uma precipitação.
Uma precipitação que fugiu à norma de Sir Alex Ferguson, um habitual cuidadoso nestes assuntos de transferências.
«Não o vi jogar. Foi a primeira vez que o fiz. Normalmente, vejo muitos vídeos antes, mas neste caso não. O nosso olheiro em Portugal disse que tínhamos de agir rapidamente, e por isso mandei o David Gill (diretor desportivo) fazer o negócio», contava o escocês, na apresentação de Bebé, ao lado de Chicharito Hernández e Chris Smalling, também eles reforços do clube.
«Na altura, fui com o meu empresário [Jorge Mendes]. Batemos à porta [do seu gabinete], entramos, vejo o Alex Ferguson e digo para mim: 'É ele, é ele, é o famoso e tal, que toda a gente conhece'. Era alguém que estava habituado a ver apenas pela televisão. Fiquei um pouco surpreendido. Mas lembro-me de que as primeiras palavras dele é que eu tinha de mudar [a minha imagem], que ia ser um jogador completamente diferente, outro Bebé e percebi que era por causa do meu cabelo. Ele não me disse para cortar o cabelo [que nessa altura usava o cabelo comprido, com rastas], mas nesse mesmo dia, à tarde fui cortá-lo», contou, mais tarde, ao Sapo Desporto.
Na tal apresentação, curtas palavras e um ar tímido, envergonhado, ciente de todo um mundo novo e uma nova exigência: «Sou rápido, chuto bem e marco muitos golos», disse, aos ingleses, numa entoação que motivou boa disposição na sala.
Num ápice, passou de 1.100 euros mensais no Estrela da Amadora para cerca de 97 mil em Manchester. Mais do que isso, num ápice deixou a sua complicada história, ele que fazia parte da Casa do Gaiato e que chamou a atenção no verão de 2009, quando jogou o European Street Football Festival de 2009, na Bósnia, e marcou 40 golos em seis jogos, o que chamou a atenção do Estrela. Um ano depois, chegava a um dos maiores clubes do mundo, para jogar num dos mais míticos palcos do mundo e no melhor futebol do mundo.
A experiência num nível tão alto chegou demasiado cedo e o primeiro impacto não foi o melhor, embora a primeira época até nem tenha sido muito má: marcou dois golos em sete jogos na equipa principal (um deles na Liga dos Campeões, no 0x3 em casa do Bursaspor) e foi preservado por Ferguson, que o resguardou várias vezes na equipa de reservas. Ainda assim, a crítica e os adeptos iam questionando a sua utilidade, atendendo ao valor que custou. Ferguson pedia calma e dizia que «os índices físicos» tinham de ser trabalhados, pois «a finalização e a habilidade» eram «impressionantes».
A solução seguinte seria o empréstimo ao Besiktas, onde encontrou uma legião de portugueses na equipa (Quaresma, Hugo Almeida, Simão Sabrosa, Júlio Alves) e um contexto que via como ideal para mostrar outra maturidade e regressar à casa de origem.
«Chorava muito, chorava de dor, dizia a mim mesmo que nunca mais ia recuperar, perguntava-me porque isto estava a acontecer comigo, 'Será que é um sinal de Deus a avisar-me para ter mais calma?', não sei. Acho que não merecia aquela lesão naquela altura. É uma lesão grave, que pode acabar com a carreira de um jogador, não a desejo a ninguém».
Numa entrevista, em 2018, ao zerozero, que pode consultar aqui, Bebé abordou a questão que, invariavelmente, marcou a sua carreira. Para o atleta, tratou-se de uma transferência anormal, contudo, justificada por aquilo que Bebé estava a conseguir fazer, tanto nas camadas jovens, como na época antecedente a este episódio, ao serviço do Estrela da Amadora.
«Foi complicado, vim da terceira divisão, do Estrela da Amadora e depois nem joguei em Guimarães e fui para o Manchester. Acho que não é fácil para um jogador da minha idade, mas foi um sonho. Se fosse agora (2018) ou há dois anos, seria diferente, porque tenho mais experiência, sou mais forte, tenho outras qualidades mais importantes para o campeonato inglês, estou mais adulto, taticamente sou melhor, sou um homem. Era impossível afirmar-me numa equipa com os melhores jogadores do mundo vindo da terceira divisão, com 20 anos», completou Bebé.
O regresso a Old Trafford não levou, portanto, o melhor embalo em 2012. Em vez de ter evoluído na Turquia, o português perdeu capacidades e ganhou medos. Na primeira metade de 2012/13, apenas jogou pelas reservas e a equipa principal do United era cada vez mais uma miragem - aliás, não voltaria a jogar. No inverno, foi emprestado ao Rio Ave, de Nuno Espírito Santo, que o foi usando de forma intermitente. No verão seguinte, altura da despedida de Alex Ferguson, seguiu por empréstimo para o Paços de Ferreira.
Aí, num clube que tinha conseguido um trajeto impressionante e que ia jogar as competições europeias, deu-se finalmente uma evolução positiva no português, pela mão de Jorge Costa, segundo contou mais tarde o próprio Bebé.
Não há como negar, a transferência de Bebé foi um dos falhanços da era Alex Ferguson, que, segundo reportaram vários órgãos de informação britânicos na altura, se tratou de um conselho de Carlos Queiroz. Apesar do desconhecimento geral, havia quem achasse que o jovem tinha características para estar à altura do desafio, sobretudo quem o conhecia, como Jorge Paixão, atual treinador dos chineses do Shenzhen FC e, em 2009/10, técnico do Estrela da Amadora: «Ele é um jogador que é fruto do futebol de rua. Hoje em dia, os jogadores evoluem nos clubes, mas ele não é nada disso, é um jogador da velha escola. Ele aprendeu a jogar na rua e tem essa criatividade natural, uma irreverência e isso faz toda a diferença».