Os mais novos lembrar-se-ão de ouvir o nome. Sven-Goran Eriksson, o Eriksson. Saberão dos três campeonatos nacionais conquistados pelo Benfica, da Taça de Portugal, da Supertaça. Lembrar-se-ão, advertidos pelos mais experientes, também das duas finais europeias perdidas. Uma contra o Anderlecht e outra frente ao AC Milan.
Estes mais novos terão juntado o nome à notícia do Eriksson castigado pela doença, um cancro terminal. O diagnóstico devolveu o sueco às primeiras páginas e terá despertado a curiosidade junto dos que nunca tiveram a possibilidade de vivê-lo.
Aos 76 anos, o sueco mantém-se um otimista pouco irritante e persiste na luta pela sobrevivência. Emparedado por um prognóstico terrível, optou por levantar-se e formular desejos.
O primeiro foi realizado em Liverpool, há um par de semanas, ao ter o privilégio de orientar os reds de Anfield num jogo de glórias; o segundo realizar-se-á na noite desta quinta-feira na Luz, quando subir ao relvado da Luz para o último abraço (será mesmo?) às dezenas de milhares de benfiquistas que o aplaudirão.
A chegada ao Benfica no verão de 1982 deixou marca indelével no futebol português. Aquele jovem de 34 anos, recém-coroado vencedor da Taça UEFA com o IFK Goteborg, parecia chegado do ano 2000 e da imaginação de Robert Zemeckis.
Mais aberto, mais sorridente, pose de playboy namoradeiro. A primeira época confirmou os bons sintomas e Eriksson ajudou o Benfica a ganhar quase tudo. Campeonato e taça acabaram no museu da águia, mas a derrota na final da Taça UEFA contra o Anderlecht é uma espinha ainda atravessada nas gargantas encarnadas: 1-1 na Luz, depois do 1-0 em Bruxelas.
Em 1984, Eriksson viajou para Itália e experimentou a Serie A, à época a melhor liga do mundo, com a Fiorentina e a AS Roma. Voltaria em 1989 à Luz, ávido de títulos. Nessa fase treinou Vítor Paneira.
«Foi o meu segundo treinador no Benfica, depois do Toni. O Eriksson era fabuloso, não maçava ninguém, era um homem prático», contou o atual treinador do Varzim ao zerozero, no Destino: Saudade. «Era um gentleman. As palestras dele eram curtas, duravam poucos minutos. O Toni analisava a equipa adversária, depois o Eriksson tomava a palavra e dizia 'pressão alta, pressão alta, jogar, jogar, ganhar, nada mais'.»
Nessa temporada de regresso, o FC Porto já ameaçava mandar na liga nacional e ganhou o campeonato. Eriksson compensou o insucesso ao levar o Benfica à final da Taça dos Campeões Europeus, mas as águias repetiram a derrota de 1988 e caíram contra o Milan com um golo de Frank Rijkaard: 1-0, em Viena.
Sven-Göran Eriksson 19 títulos oficiais |
«No jogo do César Brito, ele ainda tinha o Isaías e o Magnusson no banco. Tenho esse detalhe na cabeça. Lançou o Rui Bento, o Paulo Madeira e o Paulo Sousa na equipa principal, por exemplo. O Eriksson tem uma história bonita no nosso futebol e uma imagem avançada para a época, já com uma comunicação pensada.»
Vítor Paneira foi um dos heróis do sueco nessa partida no coliseu das Antas. «Uma semana antes nós tínhamos ido ao Porto para a taça e perdemos 2-1. O ambiente era muito hostil, mas íamos preparados. Lá, as coisas eram muito mais do que um jogo de futebol.»
O antigo extremo direito elogiou a abordagem de Sven-Goran Eriksson. «Nós controlámos o jogo do FC Porto no meio-campo, não foi a defender. O FC Porto criou muito pouco. O Eriksson gostava muito de pressionar, subir as linhas, e nesse jogo isso resultou muito bem. Começámos a sentir o desconforto no FC Porto e aproveitámos.»
A relação entre Paneira e Eriksson foi «ótima» e cheia de pormenores curiosos. «Ele dizia que eu ia ser o líbero do Benfica no fim da carreira, como se fosse o Franco Baresi. O Baresi também não era muito alto e rápido, mas lia o jogo como poucos e posicionava-se bem. O Eriksson achava que eu podia ser 'o Baresi do Benfica'.»
Em Eriksson havia a versão pop, agradável ao mainstream. Foi isso que convenceu algumas marcas a investirem nele, quando a publicidade era mais do que amadora.
«Era uma grande personagem e por isso entrou em campanhas publicitárias. Foi o dono da Macieira a convidá-lo, isso foi um golpe publicitário notável», confirmou Rui Miguel Tovar. «Ajudou a mudar e a melhorar o futebol português. Em duas fases. Curiosamente, perdeu as duas finais europeias jogadas pelo Benfica. Criou um estilo diferente e ganhou muitas coisas em Portugal.»
Quando Sven-Goran Eriksson subir ao relvado da Luz, os mais novos poderão estranhar a grandeza da personagem. Perguntem aos mais velhos quem foi e o que significou o sueco para o futebol português. E aplaudam-no, aplaudam-no com muita força.
Como se fosse a última vez.