O telemóvel toca. Indicativo finlandês. Diogo atende. Do outro lado, apresenta-se Markku Kanerva, selecionador da Finlândia. O coração de Diogo palpita, bombeia a uma velocidade louca. A lesão passou para segundo plano. Oportunidade de ouro aos 25 anos.
O misto de sensações é, ainda assim, evidente. Durante a conversa, o suspiro inicial, procedido de palavras emotivas, denota uma ligeira tristeza porque a ligação às suas raízes é forte. Intensa. Uma luta de sonhos, ambos legítimos e românticos, em que um deles destrói o outro.Diogo Alberto Soares Tomas é internacional finlandês por quatro ocasiões, mas sente-se tão português como qualquer português. Joga na Noruega, ama Portugal e mantém firme o objetivo de, um dia, jogar no nosso país. Num pequeno pedaço europeu onde o jogo que ama é praticado em todos os cantos, uma realidade distinta da que viveu desde sempre.
Em entrevista ao zerozero, o defesa, que recentemente fez a estreia pela Finlândia em competições oficiais, abriu o jogo, o coração e explicou a relação com Portugal, que sempre admirou. O futebol finlandês e norueguês, dois «mercados sexys», também marcaram esta agradável conversa.
zerozero: Conta-nos a tua história.
Diogo Tomas: O meu pai é português e veio para a Finlândia aos 30 anos. Ele vinha para estudar medicina, um determinado módulo. Mais tarde, conheceu a minha mãe. Era suposto ele ficar seis meses. Voltou para Portugal, mas propuseram-lhe algo relacionado com a área e voltou de novo para a Finlândia. Começou a sair com a minha mãe e nunca mais regressou a Portugal.
zz: A tua mãe é finlandesa, certo?
DT: Sim, a minha mãe é finlandesa. É de uma cidade pequena chamada Kouvola e o meu pai é de Lisboa. Eu tenho família em Lisboa, Oeiras. A minha avó e um irmão do meu pai.
DT: Sim, eu fiz a minha vida toda na Finlândia, mas sempre fui muito curioso em relação a Portugal e sempre questionei o meu pai sobre a vida dele aí. O meu avô esteve no exército, na guerra de Angola, por exemplo. Fui sempre muito interessado em relação à história de Portugal. Adoro os portugueses. São pessoas que mostram as suas emoções, são abertas. Sempre adorei que o meu pai me contasse histórias e vivências. Sinto que tive sempre duas perspetivas e métodos. Aprendi a forma finlandesa e a portuguesa. São ambas bonitas. Sou muito grato.
zz: Foi o teu pai que te ensinou a falar português? Ou aprendeste sozinho?
DT: Eu falava português com o meu pai quando era criança, mas quando ele começou a falar muito bem finlandês, as coisas mudaram um bocadinho, até porque eu também queria treinar o finlandês. Agora falamos muito em português porque eu quero treinar e falar português bem.
zz: Qual é o teu nome completo?
DT: É Diogo Alberto Soares Tomas.
zz: É um nome típico português.
DT: É, sim. Para os finlandeses fica mais difícil [risos]. Chamam-me sempre ‘Diego’ ou então pensam que o ‘Tomas’ é o primeiro nome.
zz: E os teus estudos?
DT: Fiz o meu percurso académico todo na Finlândia e ainda estudo. Atualmente estou na Universidade a tirar o curso de economia. É complicado porque, a partir do momento em que o futebol começou a ficar mais profissional, deixei de estar tão focado. Mas sempre que tenho tempo e inspiração, vou aproveitando para avançar com isso. Também é importante para mim.
zz: Como surgiu o futebol na tua vida?
DT: Eu nasci em Oulu, mais para o norte de Helsínquia. Vivi só um ano lá e fui para Tampere, que é mais perto. Comecei a jogar lá.
DT: Lembro-me de ir de férias para Portugal e de ver os miúdos a futebol na rua. Adorava isso. Queria ir sempre porque podia ir para um parque e jogar o que quisesse com adultos e crianças. Eu sempre gostei muito desse futebol de rua. Hoje em dia, está cada vez mais parecido com o futsal. Muitos passes, muito 1x1 ofensivo… Joguei sempre no Tampere e, aos 18 anos, estreei-me pelos seniores. Eu simplesmente gosto de jogar. Nunca pensei chegar a profissional e, depois de alguns anos, continua a ser um jogo que eu amo.
zz: O Tampere recebeu um prémio da UEFA por ser o clube finlandês com mais atletas inscritos. Creio que cinco mil.
DT: Sim, sim. É uma formação gigante. Tem muitos, muitos miúdos na academia. A filosofia é do clube é essa, de pretender ter a melhor academia da Finlândia. Relativamente à transição para sénior, há muito trabalho a fazer ainda. Embora a quantidade e diversidade, nem todos têm ou terão capacidade de chegar lá.
zz: Como é o futebol na Finlândia?
DT: É mais tático. Parece que não há tempo, sabes? Não querem que o adversário tenha bola, por exemplo, ou sofrer contra-ataques. Preocupam-se com isso, não tanto com aspetos mais instintivos. É um nível mais baixo, sim. Mas acho que está a crescer muito com o passar do tempo. E tenho a dizer que é bem melhor do que a reputação que tem no resto do mundo. Os países, incluindo Portugal, estão a olhar para o mercado dinamarquês, norueguês e sueco. Acho que a Finlândia vai ser o próximo alvo.
zz: Ainda está um patamar abaixo, por exemplo, da Noruega, onde jogas atualmente, certo?
DT: Sim, ainda tem que crescer mais. Precisam de mais pessoas com vontade e que queiram investir no futebol. Há três ou quatro equipas que poderiam jogar na Noruega ou até contra determinadas equipas portuguesas da primeira divisão. O KuPS, para dar um exemplo. É uma equipa a ter em conta. As outras? A história é diferente. O nível baixa bastante. Olhando para o global, é inferior ao norueguês.
zz: Falta-lhe mais investimento para não ser tão «amador»?DT: Eu não acho que seja amador. Precisa, sim, de mais investimento. E de mais pessoas a quererem assistir. E acho que isso está relacionado com o «produto» que é oferecido e que é transmitido lá para fora. Os estádios não têm as melhores condições. Tirando três ou quatro, os outros são muito maus. Depois, a afluência de adeptos. Na Suécia, por exemplo, há 10 mil pessoas em todos os jogos e o futebol é mais rápido e intenso. Na Finlândia há duas mil, três mil… Acaba por não ser tão atrativo.
zz: Pois, percebo que não seja tão estimulante para um jogador.
DT: Atenção que, na Finlândia, a seleção está a atrair muitas pessoas. Contra San Marino (6-0), o estádio estava cheio: 32 mil espetadores. Os finlandeses estão a interessar-se cada vez mais pelo «futebol de seleção». Isso pode fazer com o que o futebol finlandês cresça.
zz: Já há alguns jogadores de alguma craveira na Finlândia. O Puuki, o Marcus Forss, o Pohjanpalo, por exemplo… O nível está melhor?
DT: Sim, jogadores como Puuki ou o Pohjanpalo estão em grande forma e isso ajuda muito. Estamos a mostrar que podemos ganhar a seleções com jogadores nas principais ligas. Muitos jogadores nossos jogam na Noruega, Polónia, segunda divisão alemã… Acho que os outros clubes, grandes clubes, já começam a olhar mais para a Finlândia porque sabem que há potencial. Além disso, sabem que podem arranjar ótimos negócios porque é um mercado ainda por explodir.
zz: Qual foi a tua reação quando o selecionador finlandês te convocou pela primeira vez?
DT: Foi há um ano. Estava lesionado e o selecionador ligou-me. Aquele sentimento de criança cresceu em mim novamente. Olhar para o lado e ver os jogadores mais experientes… Foi um momento espiritual.
zz: E como é que ficou o sentimento em relação à seleção portuguesa?
DT: [Risos] Antes de ser chamado pela primeira vez, dei uma entrevista na Finlândia e disse, na brincadeira, que liguei ao Pepe e que ele me disse que se ia retirar para eu ficar com a vaga dele na seleção portuguesa.
DT: [suspiro] É difícil. Sempre que Portugal jogava, o meu coração era da seleção portuguesa. Não tive isso com a Finlândia ou com a seleção finlandesa. Pensava em jogar na Finlândia, sim, mas o meu sonho era representar Portugal. Ficava maravilhado. Via sempre os jogos. Lembro-me do Luís Figo, do Rui Costa… autênticos ídolos. Mas ainda tenho o sonho e o objetivo de jogar em Portugal. Quero jogar aí.
zz: Pareces mesmo decidido em jogar em Portugal!
DT: Em janeiro, deste ano, estava sem clube e estive em Portugal o mês inteiro. Treinei nos campos perto do Estádio Nacional do Jamor. Um dia tentei entrar para ver o campo, mas o segurança não me deixou, disse que não podia entrar. Eu decidi ir à mesma. Avancei as grandes, fui pela floresta, olhei para o campo e disse para mim mesmo: ‘Vou jogar neste campo um dia e vou ganhar uma Taça de Portugal’. Depois corri, corri, corri e só parei em casa [risos].
DT: [suspiro] Isso seria maravilhoso. Um dia espetacular. Nem tenho palavras para descrever. Eu jogo com muito coração, com as emoções à flor da pele. Entraria noutra dimensão. Claro que eu quero ganhar, isso não se discute. Mas isso seria outro sonho tornado realidade.
zz: Tens algum clube em Portugal?
DT: Benfica. Sou benfiquista.
zz: Agora jogas na Noruega, no Odd. É um mercado muito mais explorado pelas grandes ligas. Tens notado esse crescimento?
DT: Sim, noto. Há jogadores muito bons e com enorme potencial. O futebol é rápido, ofensivo. Para um defesa, como eu, tens de estar de ‘cabeça limpa’ a todo o momento. Estou a crescer jogo após jogo. Estou apenas há seis meses aqui, mas parece que estou cá há imenso tempo. Aqui sinto que consigo extrair o meu potencial ao máximo. Há melhores jogadores, que percebem melhor o jogo. Simplesmente os movimentos de vir buscar a bola ou arranjarem espaços para que eu lhes entregue a bola. Os adversários são rápidos e isso força-me a melhorar. Sinto que estou num ótimo lugar. O futebol norueguês está a demonstrar o porquê de ser um mercado ‘sexy’. Trabalha-se muito bem na formação e é tudo muito profissional.