Está longe de ser o dérbi mais conhecido da Europa, ou sequer da Escócia, mas sem dúvida que encabeça um sem-número de particularidades que levou o zerozero a querer saber mais sobre ele: o Dérbi de Dundee, entre Dundee United - histórico que acabou de selar o regresso à elite do futebol escocês - e o Dundee FC, eterno rival da cidade.
Separados por menos de 200 metros entre os respetivos estádios, esta é a primeira grande caraterística que salta à vista de quem passa um olhar - mesmo que desatento - sobre o mapa da cidade ou uma qualquer foto da Tannadice Street.
Quim Ferraz é o único português com uma passagem por Dundee no currículo. O ponta de lança representou os tangerines [United] na época 1999/200, tempo mais do que suficiente para uma estreia auspiciosa, logo num duelo como este. Decorria então a 1ª jornada da Premier League escocesa.
«Foi um jogo curioso e uma boa estreia. Tinha chegado à Escócia e o futebol era diferente. Muito físico, de muita correria, uma intensidade muito forte. Na pré-época, tive alguns problemas físicos e ainda não estava em condições de jogar muito tempo», recordou o possante ex-avançado: «O treinador achou que tinha condições para mudar o jogo. E assim foi.»
«Estava com a cabeça ligada... tinha levado três pontos na testa num jogo amigável, cinco ou seis dias antes. Houve um cruzamento e eu, de cabeça e com a ajuda do guarda-redes adversário, marquei o golo da vitória», detalhou.
Arrancava aí a relação de empatia do público com o avançado português. Não era para menos: com mais sete golos anotados até ao final da época, vários pontos amealhados à sua custa e mais um tento decisivo ao rival da cidade, não foi de estranhar a criatividade musical da qual Quim Ferraz se tornou alvo.
«Logo a seguir ao dérbi, fizeram questão de me atribuir uma musica e uma letra... Já não me lembro bem, mas fizeram», assegurou, antes de recordar o caráter particular dos jogos entre Dundee's.
«É um jogo que ninguém quer perder na cidade. Pode dizer-se que a cidade está dividida a meio entre Dundee United e o Dundee FC. Os estádios ficam na mesma rua e é curioso que nos jogos fora (contra o Dundee FC), equipávamo-nos no nosso balneário e íamos a pé para o estádio [adversário] já que a estrada estava cortada», desvendou.
«Existe rivalidade, mas toda a gente respeita... Claro que um adepto ou outro levava as coisas um bocadinho mais ao extremo, mas era tudo pautado por um grande respeito entre clubes e adeptos», uma natureza sui generis, que permite a existência do Dundee Utility, união entre adeptos de ambos os clubes para «bater o pé» aos gigantes de Glasgow, Celtic e Rangers.
«Quando se jogava contra essas equipas, a cidade toda queria que o Dundee United ou o Dundee FC ganhasse. Apesar de ser um bocadinho como aqui em Portugal, quase toda a gente ou era do Celtic ou do Rangers, a cultura escocesa e inglesa vive muito os clubes locais. Se o clube da cidade deles jogar em casa, é por esse que eles torcem», assegurou.
«Nunca vi violência nos estádios, nem por perto. Toda a gente sempre muito alegre, famílias inteiras com filhos pequeninos a ver o futebol, também compravam os bilhetes logo no início para a época toda», reforçou.
Mas, quais os aspetos mais marcantes da curta passagem pelo norte da Grã-Bretanha? «Era um jogo muito direto e que exigia muito da capacidade física dos jogadores... A parte do clima dificultava a prática do futebol em certas alturas do ano, apesar do Winter Break no mês de janeiro.»
«À parte disso, naqueles meses de inverno, havia muitos jogos cancelados. Nevava muito, a relva congelava. Era um clima muito rigoroso e sofria muito. Havia jogos em que tinha de vir pôr água morna nos pés ao intervalo no balneário, porque havia dedos que nem sentia com o frio», contou.
Um relato pormenorizado de uma realidade própria à qual o Dundee's European Challenge, famoso videojogo do Spectrum que fez furor entre as gerações que cresceram durante os anos 80, não era capaz de recriar.
Para a história ficam os golos num dérbi especial, as memórias e as amizades «com alguns adeptos e jogadores» do portuguese striker - para nomenclar os relatos da imprensa escocesa - que hoje em dia é professor de Educação Física em Vila Nova de Gaia.
Se quiser aventurar-se por Dundee, pode começar por espreitar as imagens do jogo de computador dos anos 80. Uma delícia.