As «molecagens» de Jaguaré irritavam os adversáriosm mas deliciavam as torcidas. Era famoso pelo seu lado brincalhão, mas também pela arte entre os postes. Felino, defendia com paixão e foi um dos primeiros ídolos da bola carioca, responsável pela introdução do uso das luvas no futebol brasileiro. Vedeta, saltou para a Europa, onde jogou no Barcelona e foi campeão em França pelo Marseille. Também passou por Portugal, onde foi o primeiro brasileiro da história do Sporting, jogando ainda no Académico do Porto e no Leça, antes de regressar ao Brasil.
Estivador-jogador na Saúde
Jaguaré Bezerra de Vasconcelos, nasceu no Rio de Janeiro, onde desde tenra idade teve que trabalhar para ajudar a família. Cresceu no bairro da Saúde, trabalhando duramente na estiva e aproveitando todos os tempos livres para jogar futebol com os amigos nos diversos descampados desta zona ribeirinha da «Cidade Maravilhosa». Entre dias passados a carregar sacos no porto e pontapés em bolas velhas nos descampados, Jaguaré foi descobrindo a sua vocação para as balizas...
Chegou ao Vasco, onde foi um ídolo, corria o ano de 1928. Analfabeto, ensinaram-lhe a assinar o seu nome para poder inscrever-se nas fichas de jogo, antes de cada encontro. Após alguns treinos ganhou a titularidade e começou a brilhar, sendo regularmente destaque nas notícias, pelas suas bizarrias e provocações. Com os vascaínos seria campeão do Rio de Janeiro em 1929, jogando três vezes pela seleção brasileira, sendo dos primeiros jogadores brasileiros a receber convites para publicidade.
Acompanhou o Vasco numa tournée pela Europa, iniciada em Portugal, ficando maravilhado com o profissionalismo que encontrou no futebol europeu. No regresso, não calava o desejode voltar a atravessar o Atlântico o mais rápido possível. Gabava o profissionalismo que encontrara nos clubes portugueses e espanhóis, apontando o dedo ao amadorismo brasileiro.
Salto para a Europa
Acabou por cruzar o grande oceano em 1931, não com destino a Portugal, que tanto o tinha encantado, mas sim à vizinha Espanha, onde defendeu a camisola do Barcelona. Após dois anos na Catalunha, voltou ao Brasil para cumprir o serviço militar, onde os adeptos e a imprensa não o tinham esquecido. Jogou duas épocas no Corinthians, antes de cruzar o mar para jogar no Sporting, com quem conquistou o Campeonato de Lisboa, antes de passar a França, onde ficou na história do Olympique de Marseille, não só pelas suas tropelias.
Em terras gaulesas deixou marca, enfeitiçando os adversários com as suas provocações, ora dançando em frente do avançado isolado, ora defendendo remates com pontapés de bicicleta.Pioneiro do espetáculo na baliza, muito antes de guarda-redes como Chilavert ou Higuita, foi um precursor dos «mind games», destabilizando os avançados recorrentemente. Colegas, adversários, árbitros, todos se enervavam com a falta de fair-play de «El Jaguar» como ficara conhecido então.
Após três anos a fazer apostas com os adversários sobre as probabilidades de estes conseguirem desfeiteá-lo, entre outras «habilidades», abandonou França com fama de louco, mas deixou saudades, no seu estilo carismático, no bom coração que os colegas reconheciam. Era um típico caso de «chapa ganha, chapa gasta», capaz de gastar o ordenado com os amigos.
Fim trágico
Sem controlo nas finanças, teve de continuar a carreira de emigrante e voltou a Portugal para jogar no Académico do Porto, clube que era então comandado pelo húngaro Janos Biri, treinador campeão no FC Porto e que voltaria a sê-lo no Benfica. O Académico acabaria em sétimo, num campeonato com apenas oito equipas. No fim da época voltou ao Brasil, onde jogou no São Cristóvão.
Sem dinheiro, voltou a Portugal e ao Leça, onde ajudou o humilde clube de Matosinhos a chegar pela primeira vez ao Campeonato Nacional, onde apesar das suas muitas defesas, não conseguiu evitar o último lugar.